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A comunidade LGBT+ enfrenta uma lacuna de inclusão. Juntos, vamos mudar esta realidade.

Demasiadas pessoas da comunidade LGBT+, sobretudo jovens, enfrentam uma lacuna de inclusão. Para colmatar esta lacuna, podemos escutar, compreender e construir pontes. Foi por isso que conversámos com pessoas desta comunidade acerca das suas experiências, sonhos e visões para um futuro mais inclusivo.

É assim que encaramos a lacuna 

Na IKEA, queremos fazer parte da solução, mas também sabemos que não temos todas as respostas. E se conversarmos com as pessoas que têm? É por isso que estamos a dar voz e visibilidade à juventude LGBT+ que vai desempenhar um papel importante na construção do futuro. Vamos ouvir, aprender e partilhar as suas mensagens importantes sobre como seria um mundo mais inclusivo.

Somos todos diferentes, e é por isso que não gosto do termo “sair do armário”. É como se tivéssemos que pedir permissão ao mundo para ser quem somos.

Arthur AntunesCentro de apoio ao cliente

  • Como é que te identificas?

    Eu identifico-me como do sexo masculino, cis, homossexual.

     

    Onde é que te sentes em casa?

    Eu sinto-me em casa quando estou com os meus amigos, as pessoas que eu gosto e que eu sei que gostam de mim, e isso pode ser qualquer lugar. Sinto-me em casa na IKEA por exemplo, graças à sua política de diversidade, igualdade e inclusão.

     

    Podes dar um exemplo de como era a tua vida quotidiana antes de assumires a tua orientação sexual? Sentes que mudou muito?

    Muito, muito. Vivia numa prisão. A olhar por cima do ombro. Sofri muito preconceito, muito bullying por parte de colegas na escola. A forma como falava, como me movia...isso obrigou-me a estar constantemente a vigiar-me. Desde que saí do armário (expressão de que não gosto), tudo mudou.

     

    Como foi esse processo de “saída do armário”, desde que conheceste a tua orientação até que decidiste que ias sair dessa prisão?

    Eu digo sempre que a porta do armário não foi aberta, foi arrombada. Não tive um plano, não sabia como abordar o assunto com amigos e família, mas apaixonei-me. E ao começar um relacionamento, percebi que não podia esconder mais. Tinha 25 anos.

     

    Sentiste compreensão por parte do teu núcleo familiar e de amigos próximos?

    O meu núcleo de amigos aceitou-me muito bem. Nada mudou. Disseram-me que já desconfiavam, mas que estavam à espera que eu dissesse alguma coisa.  Para a minha mãe foi difícil aceitar nos primeiros tempos, mas hoje tudo se normalizou. Falamos, brincamos, partilho a minha intimidade... tudo é mais tranquilo. O meu pai, que entretanto faleceu, nunca aceitou.

     

    Então sentiste que esse teu núcleo também teve o seu próprio processo e que depois as relações entre vocês ficaram mais fortes?

    Sim. A minha mãe teve de processar essa informação, mas a nossa relação até acabou por melhorar. Tornou-se mais transparente, sem segredos e sem prisões.

     

    O que achas que as pessoas à tua volta poderiam ter feito para que te sentisses mais incluído?

    Eu acho que poderiam ter sido um pouco mais sensíveis, porque somos todos diferentes. É por isso que eu não gosto muito do termo “sair do armário”. Acho deveríamos sentir-nos livres para ser quem entendermos. Porque é como se tivéssemos de pedir permissão ao mundo para isso. Ser homossexual é apenas uma característica minha. Não define quem sou. Sou muitas coisas, tenho um mundo inteiro dentro, e tenho o direito de me sentir parte de algo. E de ter as mesmas oportunidades do que qualquer outra pessoa.

     

    E sentes isso neste momento?

    Neste momento sim, mas nem sempre foi assim. Sempre trabalhei em empresas pequenas, onde esse sentimento de pertença não era tão fácil. Na IKEA sinto que é diferente. Que todos somos tratados da mesma forma, independentemente de tudo.

     

    A nível interno e externo?

    No caso dos clientes, quando têm algum preconceito é mais pela minha nacionalidade. Percebem logo que sou brasileiro e, às vezes, acontece. Mas não é a regra, é a exceção. Estamos no caminho certo.

     

    Como é tua vida profissional agora?

    A minha vida profissional hoje em dia é muito tranquila. Orgulho-me do meu percurso, e sinto-me muito bem na IKEA, precisamente por me sentir incluído e apoiado. Sem necessidade de me esconder, um trauma que me arrastava deste a infância.

     

    Com o que é que sonhas neste momento?

    Sonho com muitas coisas, mas dentro do contexto de que estamos a falar, sonho com a igualdade. Com um futuro onde a expressão “sair do armário” deixe de existir. Que todos possam ser quem são, sem pedir a aprovação de ninguém. Um rapaz heterossexual não tem de chegar à sua família e anunciar que é hetero. É totalmente assumido que o é. Deveria ser assim com toda a gente.

     

    Qual a tua melhor memória de inclusão?

    A minha melhor memória de inclusão foi quando contei aos meus amigos que eu era gay, e a forma como reagiram. Abraçaram-me. Senti que faço parte, e que finalmente todos os meus amigos me iriam poder conhecer de verdade.

     

    Sentes que a partir daí conseguiste ser o teu verdadeiro eu?

    É um work in progress. Foram muitos anos escondido, e isso deixou marcas na minha personalidade.

     

    Na IKEA sentes que consegues ser tu próprio?

    Sem dúvida. Tenho o apoio total dos meus colegas, e não sinto necessidade de me controlar, ou esconder quem sou. A relação com as pessoas com quem trabalho é bastante positiva, e muito se deve a eu poder ser quem sou, sem qualquer tipo de refúgio.

     

    Há mais alguma recordação que queiras partilhar?

    Posso destacar uma muito negativa. Nos meus tempos de escola, os meus colegas literalmente diziam “Porque é que estás perto de mim? Não quero estar perto de ti”, tal era o estigma. São memórias que ainda vivem comigo, apesar de terem acontecido com pessoas que já não fazem parte da minha vida. Somos seres sociais, e eu só queria enturmar-me. Ser impedido daquela forma é muito duro. É importante referir que eu não tinha nenhuma referência de um gay na minha vida que fosse uma pessoa reconhecida, bem-sucedida, em quem eu me pudesse apoiar. Foram precisos muitos anos e muita terapia para eu entender que ser gay é ser-se igualmente digno de ser amado e reconhecido.

     

    Sentes que atualmente já existem mais referências?

    Sim, e isso é muito importante para que jovens e famílias possam lidar com isto de uma forma mais saudável. Ainda existe muito preconceito, mas começamos finalmente a ver a luz. Espero que esta luz se torne maioritária, e que possamos, livremente, ser quem queremos ser.

     

    É importante essas referências estarem presentes desde a infância?

    Exatamente. Hoje há muitas pessoas a assumirem-se publicamente – desportistas, atores, políticos. E estas pessoas servem de referência para que sobretudo as crianças se consigam situar e identificar. “Esta pessoa é como eu e chegou aqui. Eu também posso chegar”.

     

    Sentes que já não é um assunto tabu para ti?

    Sim, hoje em dia não tenho problemas com isso. Falo abertamente com qualquer pessoa e se a pessoa não gostar ou aceitar, paciência! É quem eu sou e ninguém me vai mudar. Se aceitarem ótimo, podemos desenvolver um relacionamento. Se não aceitarem, é uma questão de se educarem ou de ficarem longe. Sempre que falo com alguém, essa pessoa percebe imediatamente que sou gay. Sei que isso também é um estigma, mas é algo que já não me provoca dano. Se me fizerem perguntas, principalmente as minhas amigas mulheres que têm curiosidade e fazem perguntas, eu explico sem reservas.

     

    Acreditas que se as pessoas estiverem bem informadas e virem as suas questões respondidas desde crianças, se podem evitar situações como a tua?

    Sim, eu acho que é importante. Não tenho nenhuma criança no meu círculo de convivência, mas tenho o filho de uma amiga que lhe faz essas perguntas e ela vem falar comigo para saber como deve responder. Conversamos sobre o assunto e, independentemente da orientação sexual que tenha, essa criança vai sentir-se apoiada e protegida.

     

    Tens alguma sugestão concreta de o que as grandes empresas podem fazer para melhorar a inclusão?

    Por exemplo, através de formações ou e-learnings, de forma contínua e não pontual. Na IKEA, comemoramos o IDAHOTB todos os anos. O tema é discutido por todos, e envolve todos. Mesmo os que não estão tão confortáveis. É essencial que cada vez mais pessoas se sintam confortáveis para abordar este tema.

    As grandes empresas têm a obrigação de envolver a comunidade, de forma a evitar que muitas crianças passem pelas experiências que eu passei. Outra das suas obrigações passa pelo recrutamento inclusivo. Recrutar mais pessoas  LGBTQIA+, para normalizar ainda mais a situação, e para que este deixe de ser um tema.  

A minha mãe entrou no quarto e viu-me a chorar. Eu disse: “mãe, sou gay!” e pensei que me ia odiar, mas não o fez.

David OliveiraCentro de apoio ao cliente

  • Como é que te identificas?

    Eu identifico-me como um homem, gay. E, já agora, os meus pronomes são ele/dele.

     

    Onde é que te sentes em casa?

    Eu sinto-me em casa quando estou rodeado das pessoas com quem eu me sinto bem. Eu tenho duas casas, na verdade, porque eu moro aqui em Lisboa mas também moro no Norte, então a minha família está um pouco dividida. Eu tenho a minha mãe no Norte e tenho cá a minha irmã. Sinto-me em casa nos dois sítios.

     

    Há quanto tempo vieste para Lisboa?

    Em 2018. Vim tirar um mestrado em artes performativas e acabei por ficar.

     

    Consegues ser verdadeiramente tu nos dois sítios?

    Mais ou menos. Sinto que estou mais à vontade aqui em Lisboa. Isto porque quando vim para cá viver, não conhecia ninguém. Das pessoas que conheci no Norte, muitas não sabem que sou gay. Ainda tenho algumas reticências...

     

    E sentes isso com a tua família de lá?

    Um pouco. A minha mãe é das pessoas que mais me apoia. Um dia entrou no quarto e eu estava a chorar porque eu tinha tido uma situação muito triste com um ex-namorado. Ela não compreendeu porquê e eu disse: “Mãe, eu sou gay!”. Pensei que ela me ia odiar ou que me ia excomungar, mas não o fez. É uma pessoa que me apoia imenso e ela é de outra geração (nasceu em 1954) e, por isso, só o facto de conseguir compreender e apoiar é um grande passo, eu acho, na nossa relação.

     

    Foi por não quereres ter “a conversa”, que não contaste logo à tua mãe?

    Eu não contei logo à minha mãe. Andei a empalhar um bocadinho. Só que depois, disse “Fogo! A minha mãe é minha mãe. Vai ter de ser!”. E, lá está, tinha um pouco medo do que ela me ia dizer, por ser de outra geração, mas não. Ao início foi um pouco complicado em algumas questões. Havia algumas expressões que ela usava que não eram as mais corretas. Mas eu fui chamando à atenção e fiquei muito espantado pela forma como ela respeita. Foi um processo. Ela está sempre preocupada. Pergunta se eu estou bem, se está tudo a correr bem. Ela não mudou uma única gota da maneira como ela agia comigo antes de saber.

     

    Antes de contares à tua mãe, tinhas amigos que sabiam? Quem foi a primeira pessoa a quem contaste?

    Foi à minha melhor amiga da altura. Ela era incrível. E depois deu-me uma prenda, aos 18 anos, para eu ir a França estar com ela (porque, entretanto, mudou-se para lá). Ela era a única pessoa que sabia. Tinha medo do que os meus outros amigos fossem pensar, porque algumas das conversas que tinham deixavam-me reticente. “Devo partilhar ou não?”. Quando acabei por contar, todos me apoiaram bastante.

     

    Nessa altura não te sentias confortável para ser verdadeiramente tu?

    Não. Eu já sabia. Eu sei que me identifico como sendo gay desde que tinha treze anos. A partir do sétimo/oitavo ano.

     

    Uma idade onde nos vamos descobrindo... A adolescência...

    Sim. Eu só contei à minha mãe quando tinha 18 anos. Então passaram-se ali uns quatro/cinco anos em que eu não lhe disse nada. E dos meus amigos, também só disse a essa amiga. Mais ninguém sabia. Depois, aos poucos, fui-me abrindo, porque as pessoas também mostraram essa abertura.

     

    Tinhas medo de que as pessoas deixassem de agir contigo da mesma forma? Que receios sentias na altura para não teres contado?

    Sentia que podiam agir de outra forma ou olhar para mim de outra maneira. Talvez não deixarem de ser meus amigos de todo, mas que de alguma forma me fizessem sentir excluído. Fiquei muito contente porque vários amigos desse grupo acabaram por se revelar enquanto membros da comunidade LGBT.

     

    Podes dar um exemplo de como era a tua vida quotidiana antes de te assumires perante os teus amigos e a tua família? Sentes que mudou muito?

    Mudou, porque sou uma pessoa bastante espontânea e expansiva, e vivia em constante contenção, principalmente com as minhas irmãs. Tinha uma postura muito assertiva, sempre muito direito... sentia-me um pouco robótico.

     

    Para corresponder aos estereótipos?

    É isso. Para sentir que era aceite. À medida que me fui abrindo mais, pensei “Não! Eu não estou a ser eu próprio. Não sou esta pessoa”. E ter vindo para Lisboa ajudou a esse processo.

     

    Sentes que a entrada na IKEA também contribuiu para que te sentisses mais tu e para que conseguisses dar mais um passo nesse sentido?

    Sim, trabalhei em sítios que não tinham nenhuma política nesse sentido e a inclusão não fazia parte da cultura. Eu nunca tinha trabalhado na IKEA. Sei que há pessoas que saem e depois voltam, mas eu nunca tinha trabalhado e foi um choque para mim. Porque o ambiente de trabalho que eu tinha antes era zero comparado com este. Passei várias dificuldades com o trabalho e quando vim para cá, vi como as pessoas trabalhavam e a maneira como éramos inseridos na equipa onde trabalhamos, e isso chocou-me pela positiva, porque eu pensei: “Como assim? Isto é assim e eu estive tanto tempo naquele sítio onde me sentia mal e não estava bem...”. Aqui posso estar bem, posso ser eu mesmo, é mesmo essa a expressão.

     

    O facto de puderes ser tu próprio também tem influência no teu processo de te aceitares como és e de te dares a conhecer sem medo preconceitos?

    Sim. Sem medo de preconceitos, porque ser eu mesmo e poder escolher o que eu vou vestir também reflete a minha personalidade. Tal como a inspiração dada pelas pessoas que me rodeiam. Ao lidar com pessoas com um pensamento inclusivo, eu naturalmente vou-me sentir melhor. Todos nós procuramos sítios onde nos possamos sentir incluídos.

     

    Para ti o que é então a inclusão?

    A inclusão é estar num contexto, pessoal ou profissional, onde nos sintamos parte. É sentir que as pessoas compreendem as nossas escolhas, as nossas diferenças e que não nos colocam de parte só porque não temos a mesma opinião.

     

    Sentes que a sociedade está num bom caminho nesse sentido? Já és mais aceite?

    Eu não sou assim tão velho, mas “no meu tempo”, 12.º ano por aí, eu sentia que era ligeiramente diferente. Acho que de 2018/2019 para a frente, ouve um boom. Cheguei a ser gozado pela minha aparência, porque vestia x ou y, porque não fazia a barba e era “maricas”. E nesse tipo de coisas, eu sinto que na altura era muito diferente. Sinto que agora as pessoas são ligeiramente mais abertas, e quero acreditar que estamos a caminhar para um futuro melhor.

     

    Qual a tua melhor memória de inclusão?

    Tenho algumas.  Eu cresci muito só com a minha mãe porque o meu pai faleceu em 2011, eu tinha 14 anos, mas a minha relação com o meu pai nunca foi muito próxima. Por isso, eu tinha medo de estar a partilhar com a minha mãe a questão de eu ser gay e ela me excluir, porque eu já não tinha a figura paterna e não queria ficar sem a figura materna. Quando eu senti que a minha mãe não fez alarido e aceitou, foi uma grande memória de inclusão.

     

    Como sentiste/descobriste a tua orientação sexual?

    Essa história é muito engraçada. Estás a ver aquela história clássica de filme americano, onde existe a popular e o menino gordinho? Eu era o menino gordinho. Mas era mesmo gordinho e apaixonei-me pela miúda popular. Na altura ela era minha amiga e eu fui honesto com os meus sentimentos e ela deu-me uma tampa muito grande. Mas mesmo muito grande, do género: “Tu és feio!”. Eu sei que isso foi mau e agora rio-me um pouco, mas na altura foi duro. Passado algum tempo, nos balneários da escola, comecei a olhar para os rapazes mais velhos de uma forma diferente. Comecei a sentir-me atraído. É engraçado porque não foi a tampa da minha colega a despertar-me para a minha orientação, mas a verdade é que foi a partir desse momento que algo em mim despertou, e comecei a reparar nos rapazes.

     

    Nunca tentaste esconder-te de ti próprio?

    Não, aí eu sempre fui muito... “Se eu estou a sentir, isto de facto deve significar alguma coisa”. Comigo mesmo eu fui sempre eu próprio.

     

    Há mais alguma recordação ou mensagem que queiras partilhar?

    Acima de tudo, acho que devemos ser honestos com as pessoas que nos rodeiam. Se nós sentirmos que não temos ninguém a quem contar ou com quem desabafar, acho que devemos ser honestos com os nossos familiares. Mesmo que pareça mais complicado.

     

    Com o que é que sonhas neste momento?

    Tenho um mestrado e licenciatura em teatro e gostava muito de ter a oportunidade de conseguir singrar nessa área, de participar num filme ou numa série. Obviamente, em Portugal é complicado, mas é possível. Não podemos desistir.

     

    Sentes inclusão nesse teu sonho? Sentes que podias ser tu próprio?

    Sinto que sim. Cada vez mais, vemos atores que fazem o coming out e revelam que são gays, bi ou não binários e parece que se sente que, em Hollywood e noutros meios, hoje as pessoas são mais abertas. Sinto que as pessoas conseguem ser elas próprias.

     

    Tens alguma sugestão concreta de como as grandes empresas podem fazer para melhorar a inclusão?

    Criar ambientes em que as pessoas se sintam à vontade para poder falar. Não é por eu ser gay e por aquela pessoa ser hetero que devemos ser diferentes. Devemos ser tratados como pessoas. 

Não queremos ser tratados como pessoas trans, gays, lésbicas ou bissexuais. Queremos ser tratados como pessoas.

Fausto SilvaCentro de apoio ao cliente

  • Como é que te identificas?

    Homem trans.

     

    Em que pensas quando ouves a palavra inclusão?

    Conforto. A liberdade de estar num sítio, rodeado de pessoas que não nos julgam nem nos olham de lado. Que nos tratam como gostamos de ser tratados.  Não queremos ser tratados como pessoas trans, gays, lésbicas ou bissexuais. Queremos ser tratados como pessoas. Claro que há situações, como por exemplo no que diz respeito a saúde, que temos de ter em conta. Eu não vou a um urologista, eu vou a um ginecologista. E as pessoas ficam um pouco aflitas, principalmente quando digo que mudei de nome.

     

    Quando tu chegas ao hospital e dizes isso, quem fica mais aflito: tu ou as pessoas?

    Eu fico aflito por elas! Mas eu já “mudei” de nome há muito tempo. Ou melhor, acrescentei. Eu não consigo abandonar o nome que os meus pais me deram, que é Eva. Eu sou Fausto Eva Lopes Silva. Não consigo. Eu gosto muito do nome.

     

    E quando começou essa fase de transformação?

    Na IKEA!  Foi aos 21 anos que eu comecei a fazer voluntariado na ILGA em Lisboa. Tinha a minha namorada da altura cá, comecei a falar com outras pessoas trans e comecei a perceber. “Ok, se calhar é por isso que eu chorava baba e ranho porque não queria vestir uma saia. Por isso é que pedia à minha mãe para me chamar por nomes masculinos e pronomes masculinos”.

     

    Mas tu sentiste que tinhas de ser assim por causa da pressão que estavas a sofrer?

    Na adolescência, por pressão da família e sociedade fiquei muito feminino. Era tudo muito inconsciente. Eu era muito imaturo e durante muito tempo senti-me mulher. Estive 3 anos com um rapaz numa relação abusiva e tive de deixar de me vestir como vestia. Eu andava muito de BMX (fui a primeira rapariga a participar num campeonato nacional), e também por isso usava muito roupas largas, calças da secção de rapaz e isso trazia muitos problemas, porque as pessoas começaram com muitos comentários. Esta é a parte dramática da situação, porque de resto tem sido uma boa experiência, a nível de trabalho e a nível familiar e foi tudo muito gradual. Fui falando com pessoas trans e percebendo o processo e toda a experiência. Aconteceu, a trabalhar com clientes menos fáceis, tratarem-me por senhora. Mas nestes casos nem vale a pena estar a corrigir.

     

    Mas são situações com as quais que tu, pelos vistos, lidas bem, não é? Não te incomoda?

    O que é que nós podemos fazer? O que é que nós, pessoas trans, podemos fazer numa gestão de conflitos? Eu só ensino quem quer ser ensinado. E para mim, às vezes há meninos trans cuja única identidade é ser pessoas trans, e isso a mim chateia-me. Porque eu não sou só uma pessoa trans. Eu sou o Fausto, gosto de fotografia, eu trabalho, eu gosto de conduzir, gosto de ir à praia, tenho a minha família, os meus amigos. E há pessoas que vivem só para aquilo, só para o sofrimento de ser trans. E isso não é bom, porque coloca um peso tão grande na comunidade e nós já somos muito marginalizados.

     

    Onde te sentes em casa?

    Neste momento, em minha casa. E também me sinto em casa aqui, na IKEA, tenho muitos amigos aqui, já cá estou há cinco anos e costumo dizer que só saio daqui se me tirarem daqui!

     

    Tens alguma recordação de quando te sentiste deslocado ou não incluído?

    Eu saí de uma banda porque faziam perguntas muito invasivas e comentários muito pejorativos. Na altura em que me assumi como mulher lésbica, era muito ostracizada, até porque me sentia como uma mulher.

     

    Mas perguntam-te estas coisas assim diretamente? É muito pessoal.

    E essas perguntas são muito invasivas. A mim, por exemplo, perguntarem-me qual é o meu nome não me faz confusão nenhuma. Posso dizer o nome que os meus pais me deram. Mas há pessoas que levam isso muito a mal, que não dizem, escondem. E temos sempre de respeitar. Mas é uma pergunta muito problemática dentro da comunidade. É o chamado dead name, em português: “nome morto”. É mesmo preciso apalpar bem o terreno, para se perceber se se pode perguntar ou não.

     

    Mas tu dizes?

    Depende do contexto porque, lá está, a minha identidade não se define por ser trans. Não sou de chegar e dizer : “Olá sou o Fausto e sou trans”. Isso não. Dou a cara ao manifesto, dou a cara pela causa. Mas não me considero uma pessoa ativista porque considero o ativismo muito problemático, principalmente na comunidade trans. Acho que a comunidade, e neste momento as pessoas que estão à frente do ativismo, são muito extremistas. Gosto de ser diferente sem ser diferente.

     

    Vês a sociedade a colocar barreiras em relação ao teu futuro?

    Aqui na IKEA, não. No geral sim, ainda que na fase que eu esteja isso já não aconteça. Mas nas fases iniciais, de tratamento hormonal, de todas aquelas mudanças, ainda há um julgamento social muito forte. O olhar, a estranheza, o como tratar ou cumprimentar.

     

    Que mensagem é que gostavas de deixar para terminar a nossa conversa do teu percurso, já vi que foi um percurso feliz, muito realizado.

    Tratem-nos como pessoas, acima de tudo como pessoas. Tratem-nos como seres humanos, não nos tratem com mais respeito ou como coitadinhos só porque não nos identificamos com o género que nos foi atribuído à nascença.

     

    E a tua família?

    A minha mãe é ok, embora tenhamos problemas. O meu pai demorou muito tempo a assimilar. Ainda me trata por Eva muitas vezes. Mas eu não me importo, porque o meu pai já tem 60 anos. E porque eu sempre fui a menina do papá.  Com a minha avó é tudo - ele, ela, ele, ela, ele, ela, o Fausto, a Eva, o Fausto, a Eva - mas eu não vou pedir a minha avó de 92 anos nem ao meu pai de 60 anos. Uma regra de gramática não vai alterar absolutamente nada aquilo que eu sou, porque o mais importante é aquilo que eu sou e como me sinto. Por mais que me tratem por um pronome feminino eu vou sempre ser um homem. E o final do dia é isso que importa. No final do dia eu sentir-me realizado. Ir a um barbeiro e não ir a um cabeleireiro.

     

    E aqui na IKEA?

    Na IKEA não há a mínima diferença. Eu sou o Fausto e ponto final. Aqui sinto-me em casa, porque para todas as pessoas, principalmente para as pessoas de quem sou mais próximo, não há nada para trás. É uma grande ofensa para a maior parte da comunidade dizer: “Não pareces trans”. Ainda bem que não pareço, o objetivo foi cumprido.

Assumir não é uma questão de coragem. É uma questão de momento, e de sentirmos que está na hora. É aí que a coragem chega.

Flávia AndradeIKEA Braga

  • Como é que te identificas?

    Identifico-me como mulher e lésbica.

     

    Onde é que te sentes em casa?

    Sinto-me em casa quando estou com a minha companheira e com a minha gatinha, a Julieta.

     

    Podes dar um exemplo de como era a tua vida quotidiana antes de assumires como membro da comunidade LGBT+?

    A minha vida não mudou muito, já era normal, a única coisa diferente estava  dentro de mim própria. E precisava de partilhá-la com família e amigos. A partir daí senti uma liberdade enorme, e um peso que não sabia ter dentro de mim.

     

    E quando é que isso aconteceu?

    Eu assumi-me com 21 anos. Eu namorava com rapazes até essa altura, mas com essa idade apaixonei-me pela minha atual namorada. Que ainda é minha namorada, foi amor à primeira vista. É amor para a vida. E não há volta a dar. Bati mal dos 20 para os 21 porque não me assumia...

     

    Mas porquê?

    Porque não me aceitava. Nem era por não ser aceite pelas pessoas à minha volta, era por mim. E tive amigos meus, sobretudo uma amiga que é bissexual, que me disseram que eu tinha de dizer, abrir-me, assumir e deixar fluir. Foi isso que fiz, e aqui estou eu tranquila e feliz numa relação.

     

    A relação com os teus pais, amigos e família como ficou? Não sei se queres falar disso?

    Não gosto de omitir ou mentir. Para os meus amigos foi mais fácil, mas para os meus pais e para os pais da minha companheira o processo foi mais longo. Mesmo tratando-se de famílias católicas, a aceitação de ambas foi muito boa, e isso foi o melhor que nos podia ter acontecido.

     

    Sim, e depois a maior parte das histórias que nós ouvimos, que passam para fora são sempre negativas, nunca positivas.

    É. Primeiro há sempre uma história trágica e que nunca corre bem. Eu posso dizer que a minha história é muito tranquila e feliz e acho que temos de chamar atenção para coisas positivas.

     

    Qual a tua melhor memória de inclusão?

    Foi com a família da minha atual companheira. Sentimo-nos tratadas por ambas as famílias como um casal normal e isso é maravilhoso. Tínhamos muito receio.

     

    O que achas que os outros membros da sociedade poderiam fazer para que te sentisses mais incluída?

    Uma coisa que podemos mudar é a maneira como falamos com as crianças, porque são a base, não é? A forma como nós tratamos as crianças, por exemplo, quando perguntamos a um rapaz pela namorada. Não devia ser assim. Deviam perguntar: “Tens alguém? Gostas de alguém?”. É importante que se sintam livres para escolher e para serem quem são. Qual é o problema de um menino querer usar roupas cor-de-rosa? Qual é o mal? Não deviam proibir. Uma menina quer brincar com carros e qual é o problema? São brinquedos, são roupas, são cores. Todos nós as podemos usar.

     

    Não sei se queres partilhar alguma história de antigos empregos em que não foste incluída?

    Nunca tive más experiências a nível de trabalho. Quando já era assumida, sempre foi muito tranquilo. Na IKEA sentimo-nos em casa. Fazemos e dizemos o que quisermos, dentro dos limites do respeito. É uma empresa diferente das outras.

     

    Com o que é que sonhas neste momento?

    A nível profissional quero continuar a evoluir, a ter novas oportunidades e novas experiências, como esta por exemplo. Esta experiência é uma coisa nova para mim, foi a primeira vez que participei neste projeto e resolvi participar e fui uma das selecionadas. É giro, conhecemos outras pessoas, conhecemos outras lojas e eu que venho de Braga sinto que é diferente. Quero continuar a trabalhar na IKEA, continuar a fazer o meu caminho. Sinto-me muito bem aqui.

     

    Tens alguma sugestão concreta de algo que a IKEA e outras grandes empresas possam fazer para melhorar a inclusão?

    Com projetos como este. Com campanhas que mostrem que há pessoas de todo os tipos a trabalhar na empresa. Isso é perfeito.

     

    Gostavas de deixar uma mensagem ou um comentário? Queres acrescentar mais alguma coisa?

    Assumir não é uma questão de coragem. É uma questão de momento, e de sentirmos que está na hora. É aí que a coragem chega.  

Quando estás em comunidade, sabes que há alguém à tua frente e a lutar contigo. Esse sentimento faz a diferença.

Soraia Fortes (aliada da comunidade)Estúdio de planificação e encomenda Setúbal

  • O que é um aliado e não uma pessoa da comunidade?

    As paradas da comunidade LGBT+ sempre estiveram mais relacionadas com a orientação sexual, mas englobam cada vez mais outras problemáticas como a cor, a raça ou a religião. Quando comecei a interessar-me mais e a pesquisar a atividade da comunidade, fui-me envolvendo.

     

    Mas existe algum momento concreto que consigas assinalar?

    O momento em que fui mãe e, mais tarde, e entrei para a IKEA. Trabalhei em multinacionais onde não existia respeito pela cor ou pela orientação sexual. Éramos apenas números. Fui estigmatizada enquanto mãe solteira, negra, que estudou para escapar à sua realidade social, e candidatei-me à IKEA a pensar que não teria um cargo na linha da frente, por ser quem sou.

     

    E sentiste que foi relevante o facto de teres sido mãe, por este processo começar desde a infância?

    Por mais que alarguemos horizontes na escola ou no trabalho, um filho alerta-nos para a importância de ser um exemplo. Então o que é que eu poderia fazer? Fui criada a ouvir “não te mistures ali”. E fui percebendo até onde a comunidade acaba por ajudar, por que motivo vão para a rua erguer a sua voz. Quando estás em comunidade, sabes que há alguém à tua frente e a lutar contigo. Esse sentimento faz a diferença.

     

    Sentes que agora consegues educar a tua filha de uma forma mais aberta e não pelo medo? Que estamos a caminhar para um sítio mais positivo?

    Sim, sobretudo na escola. Desde pequena que me apercebi que o “guião” que seguíamos na escola esquecia vários temas que nos preparam para a enfrentar a sociedade. Não tínhamos internet como temos hoje. Sinto que temos um longo caminho a percorrer, mas estamos num bom caminho. A minha filha tem seis anos e desde os quatro anos que eu oiço que a casa de banho não é só para as meninas ou para meninos. Começamos a viver numa sociedade onde nem tudo é só cor-de-rosa ou só azul. E foi também pelas experiências e perguntas da minha filha, que eu acabei por abrir a minha mente. A idade dos porquês já tem perguntas mais alargadas. Já se começa a ver um caminho não tão cor-de-rosa/azul, rapaz/rapariga, mas sim de pessoas.

     

    Na prática, qual é o papel dos aliados?

    Vejo-me como muito mais do que uma simpatizante: Quando venho para esta empresa, qualquer pessoa, externa ou interna, tem o mesmo comportamento de olhar nos olhos, dizer “Olá!”. Nesse contacto eu sinto que pertenço.

     

    Qual é que achas que é o papel da IKEA e outras grandes empresas para melhorar a inclusão?

    É falar e formar. Quando há os teambuidings, por exemplo, trazer essa informação. Ao falar-se nestes temas, estamos a trocar ideias e as pessoas deixam de ser só simpatizantes e passam a fazer parte da comunidade. A IKEA é uma empresa em que, cada vez mais, colaboradores, clientes ou simpatizantes da marca discutem estes temas. Aqui, quer seja em formato online ou presencial, temos a oportunidade de falar e de ter mesmo uma voz ativa.

     

    O que pensas quando ouves a palavra inclusão?

    Sermos tratados como pessoas, independentemente de opções sexuais, cor, religião... É tu sentires: “eu pertenço aqui.”

     

    Alguma vez te sentiste excluída?

    Infelizmente sim. Há 17 anos que estou a trabalhar e, mesmo aqueles que achavam que me estavam a incluir, não estavam. Pensavam: “Ok, é educada, nasceu cá, fala bem português, não tem o sotaque, não é excêntrica”, mas por mais que dissessem que me estavam a incluir no meio, não estavam. Na IKEA, pelo contrário, não interessa se estou ou não de farda. Se estou aqui, pertenço. Independentemente do que estamos a fazer, damos sempre a cara pela empresa e nisso noto logo a diferença.

     

    Já tiveste alguma experiência de discriminação ou preconceito relacionado com a orientação sexual ou identidade de género de outra pessoa à tua volta? Como lidaste com isso?

    Sim. Sempre estive ligada ao desporto, e isso gerou várias vezes comentários relacionados com a orientação sexual. Tive colegas que estavam a descobrir a sua sexualidade com 14 ou 15 anos e que eram desrespeitados por isso. Fui muitas vezes mediadora desses conflitos, e acabei a ouvir comentários por ser negra.

     

    Enquanto ativista, transmites informação sobre a comunidade às pessoas à tua volta?

    Sim, mesmo em família tento sempre ter um papel ativo. Existe sempre um primo, uma prima ou uma irmã que está na fase em que não sabe o que quer e tem algum conflito.  Sempre fui “a revolucionária”.

     

    Como achas que a IKEA pode apoiar a comunidade LGBT+ e promover a diversidade e inclusão nos seus produtos e serviços?

    A IKEA já o está a fazer, por exemplo nos processos de recrutamento, onde ninguém é estigmatizado pela sua aparência, orientação sexual, se tem tatuagens ou piercigs. Não existe essa barreira.

     

    O que esperas do futuro?

    Espero que estes temas deixem de ser um problema. Que as empresas promovam a igualdade de forma natural. Acredito que vai acontecer, embora tenhamos ainda um caminho longo a percorrer.

     

    Acreditas então que será um processo lento e gradual?

    Sim, mas intensivo. Falado e vivido, tanto por crianças como pelos mais velhos. Há cada vez mais gente a sair da sua zona de conforto para ter um papel activo na sociedade. Está muita coisa a mudar, ainda que de forma gradual.

     

    É importante questionar?

    É importante questionar e experienciar aquilo que questionamos. Não é só questionar. Não basta criar o tema e debatê-lo. É preciso viver de acordo com isso.   

Não se contenham em relação ao imenso potencial da comunidade queer. Estamos aqui. Somos queer. E têm de lidar com isso.

Julius

  • Como te identificas?  

    Prefiro usar os pronomes "elu/delu", mas não sou adepto do conceito de ter uma identidade de género. Sinto que se me quisessem descrever, o meu género seria o aspeto menos importante de quem sou. 

     

    Podes desenvolver essa ideia?  

    Identifico-me como uma pessoa não binária e as pessoas têm perspetivas diferentes do que isso é. Algumas pessoas encaram o género como uma balança entre masculino e feminino, e as pessoas não binárias como algo intermédio. Mas encaro-o mais como um triângulo, com masculino, feminino e não binário em diferentes cantos. Por isso, o não binário não está na balança, está fora do espectro. 

     

    É difícil quando as pessoas não reconhecem a forma como te identificas?  

    Não tenho qualquer problema em relação à utilização incorreta do género. Compreendo que a maioria das pessoas me vê como homem e, pessoalmente, não tenho qualquer problema em relação a isso. Mas é uma questão pessoal e não posso falar por todas as pessoas não binárias. 

     

    De que forma é que esta maneira de ver o género te afetou? 

    Sinto que a identidade que me foi atribuída à nascença, ser um homem, se adapta a parte de mim, mas não à totalidade de mim. Para mim, o género é um aspeto pessoal. Podes identificar-te da forma que quiseres e podes ser o que quiseres. Isto faz sentido para mim. O que não faz sentido é que as oito mil milhões de pessoas que vivem neste planeta devam ser capazes de se enquadrar em apenas dois grupos predefinidos nos lados opostos do espectro. Parece-me completamente descabido. 

     

    Podes descrever-me como te sentes em relação à forma como te defines?  

    Para mim, ser identificado como homem parece-me muito restritivo. Ser um homem dita o tipo de corpo que me devo esforçar por ter, com quem posso ter relações românticas ou sexuais, o som que a minha voz deve ter, etc. Como pessoa não binária, não sinto que tenha de me enquadrar num estereótipo. Posso ser simplesmente eu. 

     

    Quando ouves a palavra "inclusão", no que pensas?  

    De um ponto de vista político, não acredito que possamos ter uma verdadeira inclusão sem termos uma diversidade de pessoas a tomar as decisões. O político tradicional de uma classe média-alta abastada e com boas ligações não conseguirá, na maioria dos casos, compreender o que é ser pobre e irá tomar decisões políticas que afetam negativamente as pessoas pobres. Funciona da mesma forma com um governo composto maioritariamente por homens. Vai tomar decisões que beneficiam os homens e não as mulheres. 

     

    Então, não há inclusão sem haver diversidade?  

    Este aspeto é muito importante. Podemos tomar decisões muito mais informadas se incluirmos uma paleta ampla de diferentes crenças, contextos culturais e identidades de género. Essa é a solução. Para dar um exemplo concreto, por que razão é tão difícil, e em muitos países impossível, tirar um passaporte com o teu género real? Um passaporte que indique que és uma pessoa não binária? Na minha opinião, é porque ainda não existem pessoas não binárias no poder. Porque quando existirem, vão aperceber-se da importância que tem e compreender como magoa. E as coisas vão mudar.   

     

    Onde é que te sentes em casa?  

    É a energia das pessoas que me rodeiam que vai determinar se me sinto em casa ou não, e não depende do lugar físico. Também me sinto em casa quando estou a criar alguma coisa. Quando estou a costurar ou a criar joias.   

     

    A criatividade é importante para ti?  

    Sim, gosto de criar e também sinto que estou constantemente a criar e a evoluir a minha expressão de género. Por exemplo, não uso muita maquilhagem, mas gosto de explorar as suas possibilidades. Também gosto de usar tops curtos porque realçam a minha masculinidade. Permite-me explorar uma masculinidade que é só minha.  

     

    Vives situações em que não sentes inclusão? 

    Claro. Muitas vezes. Também já fui alvo de ataques e agressões físicas. É uma das razões que me faz usar um casaco acolchoado grande ou uma camisola com capuz grande quando estou em público. Escondo quem sou porque quero manter-me em segurança. 

     

    De que forma é que estas experiências te afetam?  

    Para mim, ser alvo de ataque realçou como estamos ainda muito longe da verdadeira inclusão. O facto de algumas pessoas me quererem matar, só porque me visto de forma diferente ou ajo de forma diferente é muito estranho. Ser queer ainda é viver com o conhecimento de que os teus direitos e até a tua existência são constantemente alvo de debate. A visão de toda a sociedade ainda não é que podemos ser simplesmente quem somos. Sinto uma grande frustração quando penso que o facto de dever existir ou não dependa de outras pessoas e, às vezes, de uma questão política. 

     

    Já foste alvo de fetichismo?  

    Essa é outra questão, claro, mas pode ser irritante. Não quero criticar um grupo específico, mas as raparigas heterossexuais nas discotecas gay...Houve mulheres que já me abordaram para dizer: "Podias conhecer o meu melhor amigo gay e podíamos ir às compras juntos". O que é isto? Depois, projetam apenas a visão que têm de uma pessoa gay que viram num filme romântico do início dos anos 2000, realizado por um homem hétero. Não veem quem sou e, como é óbvio, isso pode ser cansativo.  

     

    Tens mais exemplos deste género?  

    Sim, muitas vezes já senti que só porque sou gay, as pessoas parecem pensar que é normal fazer perguntas íntimas de uma forma descontraída. Bem, eu não peço que me descrevam a vida íntima da mesma forma que falam sobre escolher juntar leite ou iogurte aos cereais. O que acontece é que me veem como a minha sexualidade ou identidade gay em vez de uma pessoa real e ninguém quer ser tratado dessa forma.  

     

    Porque achas que demora tanto tempo a mudar as perceções das pessoas e da sociedade?  

    É uma pergunta difícil, mas um dos maiores problemas é o individualismo. As pessoas simplesmente não interagem com pessoas diferentes de si. Isso acontece sobretudo online. Os algoritmos apresentam-te mais do mesmo conteúdo que já vês. És radicalizado pelo teu próprio feed. Isto é perigoso e é outra coisa que as pessoas atualmente no poder parecem ter dificuldade em entender. 

     

    Queres deixar alguma mensagem acerca da inclusão às grandes empresas?  

    Humm... Bem, talvez pudessem começar por não dar tanta importância ao género das pessoas. Por exemplo, é ótimo se um partido político ou uma empresa contrata alguém homossexual ou transgénero. Mas não é tão bom quando fazem notar esta pessoa como um professor entusiasmado a exibir o novo aluno à frente da turma. "Digam olá a este novo rapaz esquisito. Não é fantástico tê-lo na nossa turma?". Tenho a certeza de que se preocupam com a inclusão, mas quando não o fazem de uma forma consciente e respeitadora, parece só descabido ou que estão a alienar a pessoa. Espera-se que estas pessoas sejam contratadas pelas suas competências e não pelo seu género.   

     

    Fica registado. Há mais alguma coisa que consideras que nós devemos saber sobre a geração LGBT+ jovem?  

    Não acho que seja possível tornar um local de trabalho inclusivo e depois começar a contratar pessoas queer. Acho que este processo tem de acontecer em simultâneo e em conjunto com as pessoas que queremos incluir. Também gostaria de relembrar amigavelmente todos os locais de trabalho de que a nossa comunidade é bastante grande e, muito em breve, vamos fazer parte das vossas empresas e instituições. Não se contenham em relação às imensas capacidades e potencial da comunidade queer. Estamos aqui. Somos queer. E têm de lidar com isso. 

     

    Queres acrescentar mais alguma coisa?  

    Conversámos muito sobre género, mas como disse no início, o género não devia ter tanta importância. A forma como sentem e vivem o amor com os vossos companheiros e companheiras é igual à forma como sinto e vivo o amor com o meu. Não têm de compreender tudo sobre mim para entenderem isso. Este conhecimento deve ser tudo o que precisamos para nos respeitarmos e tratarmos uns aos outros como seres humanos. Para avançarmos e ultrapassarmos a discussão sobre género, para nos concentrarmos em questões mais prementes. Por exemplo, temos um planeta para salvar.

Nunca conseguiria mostrar o meu verdadeiro "eu". A forma como rio, falo, ando. Tive de agir como se desempenhasse um papel no filme mais longo do mundo.

Georgii

  • Como te identificas?

    Identifico-me como um homem gay. É tão simples como isso, mas, ao mesmo tempo, não fui capaz de dizê-lo durante a maior parte da minha vida. 

     

    Onde é que te sentes em casa?

    Neste momento, diria que me sinto em casa na IKEA, na loja onde trabalho. Sinto que posso ser eu próprio no trabalho e é uma sensação de liberdade incrível.  

     

    Que tipo de sensações tens quando te sentes em casa?

    Sinto um alívio muito grande, quase como se conseguisse voar quando me apercebo de que não tenho de esconder quem sou ou ter medo que alguém descubra.

     

    Podes dar um exemplo de como era o teu dia a dia antes?  

    Durante todos os anos que frequentei a escola, nunca pude mostrar o meu verdadeiro "eu". A forma como rio, falo, ando. Tive de esconder tudo isso e agir como se desempenhasse um papel no filme mais longo do mundo. 

     

    Recordas-te de um momento em que te tenhas sentido compreendido e incluído?

    Tenho uma memória muito calorosa do meu primeiro emprego. Trabalhava com uma mulher mais velha e quando ela falava sobre relações, dizia que namorava com uma pessoa. Um dia tivemos tempo para ter uma conversa a sério e contou-me que essa pessoa era outra mulher e isso foi um despertar para mim. Foi a primeira vez que falei com alguém que teve a coragem de me dizer a verdade sobre a sua vida e isso criou uma ligação forte entre nós. Senti que podia ser eu próprio com ela. 

     

    Na tua opinião, o que é que o resto das pessoas na sociedade podiam fazer para que te sentisses mais incluído?

    Acredito que o mundo seria muito melhor se todos nós nos preocupássemos o suficiente para ouvir e agir com respeito face às outras pessoas. Algo ainda mais concreto seria ter mais cuidado em relação à nossa linguagem. Por exemplo, utilizar um termo neutro em vez de assumir que todos os rapazes têm uma namorada. Também seria ótimo se as pessoas começassem a perguntar quais são os pronomes que uma pessoa prefere, caso não tenham a certeza. São pequenas ações que vão ter um impacto enorme na inclusão na sociedade. 

     

    Achas que a tua carreira futura podia ser afetada negativamente por seres quem és? Anteriormente, quando vivia na Rússia, seria impossível ter uma carreira se não escondesse a minha personalidade. Até na IKEA na Rússia, tive problemas sérios com o meu responsável direto que era muito religioso e homofóbico, e eu tinha vergonha por não ser "um homem a sério" e coisas do género. Foi angustiante e difícil.   

     

    Como é agora a tua vida profissional?

    Adoro! Trabalho na loja IKEA no centro de Paris e sinto-me incluído e descontraído por ser quem sou. Também gosto de trabalhar na IKEA porque é uma empresa que celebra o orgulho gay. E não acontece só durante a época do orgulho gay. Faz parte da cultura IKEA defender a inclusão e os direitos LGBT+ e, por isso, tenho muito orgulho em trabalhar aqui.      

     

    Uma última pergunta. Qual é o teu sonho neste momento?

    Penso muito sobre viver de forma mais tranquila. Aqui sinto que posso ser simplesmente eu. Quero tornar-me num cidadão de pleno direito e encontrar um lugar ao qual possa chamar a minha casa. Não quero ser famoso. Não quero ser rico. Só quero viver.   

Video:

Apoiar a comunidade LGBT+ começa em casa

Já tive clientes que me chamaram nomes ou disseram coisas que magoam. Mas ignoro porque vejo estas pessoas por aquilo que são. Ignorantes, más e talvez também tenham medo.

Yanis

  • Como te identificas?  

    É uma pergunta simples para mim. Sou um homem. E é só.    

     

    O que é a inclusão para ti?  

    Tem que ver com apercebermo-nos de que todos somos diferentes e aceitar essas diferenças. Se conseguíssemos encará-las como os trunfos e aspetos positivos que são, viveríamos num mundo melhor e mais inovador.   

     

    Onde é que te sentes em casa?  

    Sinto-me em casa quando estou com os meus amigos próximos. Também me sinto em casa na minha casa. Não na casa dos meus pais, mas no meu apartamento. É aí que me sinto descontraído e seguro.   

     

    É um grupo de amigos que conheces há muito tempo?  

    Sim, tenho a sorte de ter um grupo de amigos muito próximos. Estão comigo desde o início e aceitam-me como sou. Tive muitos problemas com os meus pais e os meus amigos apoiaram-me durante esse tempo. Os meus amigos são a família que escolho, adoro-os e não estaria aqui sem eles.   

     

    Não temos de falar sobre isso se não quiseres, mas como é a tua relação com a tua família?  

    Não me importo de falar sobre isso. Cresci nos subúrbios de Paris e venho de uma família muçulmana com origens argelinas. Os meus pais têm opiniões muito negativas sobre a homossexualidade e, durante muitos anos, ouvi-os e tentei enquadrar-me. Tentei ser o que queriam que fosse. Mas quanto tinha 18 anos, a minha melhor amiga assumiu-se como lésbica. Foi muito forte e disse-me: "tens de ser quem queres ser. Vou apoiar-te. Eu e o resto dos teus amigos vamos apoiar-te".   

     

    Como é a relação com os teus pais hoje em dia?  

    É complicada. Voltámos a falar, mas nunca falamos sobre a minha vida ou o facto de ser gay. Sabem que gosto de homens, mas não querem falar sobre isso.   

     

    Tens uma memória específica de quando sentiste que tiveste de esconder quem és?  

    Sim, muitas. Quando vivia com os meus pais e estava a preparar-me para uma saída à noite com os meus amigos, escondia a roupa que queria vestir dos meus pais e vestia-a na casa dos meus amigos. Como um par de calções curtos que sei que os meus desaprovariam.  

     

    Tens outras memórias que gostarias de partilhar?  

    Joguei andebol quando era mais novo. Adorava jogar, mas, numa equipa como aquela, não podia mostrar a minha verdadeira personalidade. Disse a mim próprio que nunca iria mostrar quem sou realmente a ninguém dali. Iria mostrar apenas as minhas capacidades no campo. Agora, quando penso nisso, sinto-me triste e não era confortável esconder o meu verdadeiro "eu" daquela forma.   

     

    Quando sentes que podes ser tu próprio?  

    Quando estou numa festa com os meus amigos. Onde posso fazer o que quiser e ser quem quiser, sem que me julguem. Sinto-me muito leve, livre e feliz.   

     

    O que é que o mundo à tua volta podia fazer para te sentires mais incluído?  

    Gostava que as pessoas entendessem que todos temos problemas. Isto é importante porque também nos une como seres humanos. Se fizéssemos um esforço para ver a pessoa à nossa frente, fazer uma pergunta sem julgamento, podíamos criar uma verdadeira compreensão e empatia. E a inclusão resume-se a isso.   

     

    Como acreditas que vai ser a tua carreira futura? Sentes que a sociedade à tua volta está a erguer barreiras por seres quem és?  

    Devido às minhas origens, aprendi a alternar entre ser quem realmente sou e uma versão de mim que nunca mostra quem sou. Se é positivo? Não. É o caminho a seguir se quiser construir uma carreira? Talvez. Agora trabalho na IKEA, mas se quiser trabalhar noutra empresa no futuro? Nessa altura, talvez tenha de esconder quem sou.   

     

    Sentes que podes ser tu próprio na IKEA?  

    Para mim, a IKEA é um local de trabalho que se preocupa verdadeiramente com a inclusão. Sinto que posso ser eu próprio no trabalho. Não posso falar por todas as pessoas, mas é isso que sinto. Por exemplo, posso usar uma fita com as cores do arco-íris à volta do pescoço ou no bolso todos os dias. Isso é muito importante para mim. Às vezes, os clientes fazem perguntas sobre isso e digo-lhes que a IKEA é uma empresa que toma uma posição ativa em relação à inclusão. Tenho orgulho de trabalhar aqui.   

     

    Como te faz sentir?  

    Faz-me sentir que posso ser eu próprio. Também tenho o apoio dos meus responsáveis diretos para ser quem sou e assumir esta função. Na minha loja, sou líder na área de diversidade e inclusão, e quando posso ser eu próprio no trabalho, acredito que dou o exemplo. Espero que, com isto, seja mais fácil para outras pessoas que trabalham nesta loja e noutras lojas IKEA em França mostrarem quem são.   

     

    Já viveste situações negativas no trabalho?  

    Não da parte dos meus colegas, mas da parte dos clientes, sim, sem dúvida. Já tive clientes que me chamaram nomes ou disseram coisas que magoam. Mas, de certo modo, consigo ignorar porque vejo estas pessoas por aquilo que são. Ignorantes, más e talvez também tenham medo. Não me envolvo nesse tipo de situação, afasto-me e não deixo que me afete. Mas também sei que nem todas as pessoas conseguem passar por uma situação semelhante sem se sentirem mal ou magoadas.   

     

    Tens uma sugestão concreta de algo que a IKEA e outras grandes empresas podiam fazer para melhorar a inclusão?  

    Sim, acredito que seria ótimo se, na IKEA, pudéssemos começar a usar os pronomes preferidos dentro da empresa. Tenho a certeza de que se passa o mesmo na maioria das grandes empresas, mas nós, a IKEA e o resto do mundo, apenas temos de ter consciência de que não existe apenas o género feminino ou masculino. Há muito mais formas de definir quem somos. 

     

    Isto é importante, podes explicar um pouco mais?  

    Se começarmos a usar pronomes, todos vão passar a ter mais consciência de que muitas pessoas não se enquadram nos estereótipos binários de feminino e masculino. De que hoje em dia podemos ser quem somos verdadeiramente. Pode parecer um pequeno pormenor, como alguns carateres a mais numa assinatura de e-mail, mas tem um valor e uma importância enormes. Ia sentir-me muito orgulhoso se a IKEA incentivasse os colaboradores a usar pronomes porque significa que reconheceríamos o facto de que, atualmente, há mais de duas formas de ser neste mundo. 

No futuro, uma empresa vai focar-se nas minhas competências e não no meu género ou na forma como me visto. Mesmo que as pessoas ainda não nos ouçam, a minha geração vai trazer esta mudança.

Prin

  • Como te identificas?  

    Para mim é muito claro. Sou transgénero, de masculino para feminino. Quero ser uma mulher.   

       

    Quando ouves a palavra "inclusão", no que pensas?  

    Para mim, é algo muito pessoal. Hoje em dia, a sociedade é mais aberta do que era antes, mas continuo a ter aquela sensação de que devia enquadrar-me. Por exemplo, quando comecei a frequentar uma nova escola, ficava muito nervosa quando falava com pessoas novas porque, no meu subconsciente, não consigo deixar de pensar que sou uma pessoa trans.  

     

    No que pensavas?  

    Pensava que não iriam gostar de mim porque não sou como eles.   

     

    Onde é que te sentes em casa?  

    Atualmente, tenho muita sorte por me sentir em casa com a minha família, porque passaram a ter uma mente muito aberta. Mas acho que quando me sinto mais em casa é quando estou com a minha melhor amiga. Ela também é uma pessoa trans e posso falar sobre tudo com ela. Quando estou com ela, sinto-me bem.

     

    Lembras-te de algum momento em que te tenhas sentido deslocada ou não incluída?  

    Uma situação pela qual passei quando comecei num novo emprego foi as pessoas abordarem-me e perguntarem: "És um homem ou uma mulher?" Isso faz-me sentir muito nervosa e magoa. É uma pergunta muito pessoal e, como não conheço a pessoa, não sei o que responder ou se devo responder. Não costumo abordar pessoas que não conheço e fazer-lhes perguntas íntimas. 

     

    Como gostarias que as pessoas à tua volta agissem?  

    Gostava que as outras pessoas fossem um pouco mais abertas, que aceitassem e compreendessem que sou apenas um ser humano como elas. Sou um pouco tímida, mas também sou uma pessoa recetiva, gosto de conhecer pessoas novas e, claro, podemos falar sobre coisas mais íntimas quando nos conhecermos melhor e nos sentirmos confortáveis juntas.  

     

    Se começasses num novo emprego, o que te faria sentir incluída?

    Acredito que se as pessoas compreendessem que o meu género é a parte menos interessante de mim, ia sentir-me mais confortável. Sou uma pessoa com competências, conhecimento e experiências. Mas também sou uma pessoa com defeitos e inseguranças como qualquer outra. Talvez se as pessoas fizessem menos julgamentos e perguntassem apenas: "Olá, como estás?", me sentisse mais incluída.  

     

    És jovem, mas consideras que a sociedade à tua volta ergue barreiras quando se trata da tua carreira futura?  

    Acredito que vai melhorar porque quando a minha geração for mais velha e entrar no mercado de trabalho, a nossa comunidade será maior. No futuro, uma empresa vai focar-se nas minhas competências e não no meu género ou na forma como me visto. A minha geração vai trazer esta mudança e, mesmo que as pessoas ainda não nos ouçam, não vamos embora. Espero que isto pressione a aceitação do resto da sociedade. 

     

    O que gostarias de fazer quando terminares a escola?  

    Provavelmente, vou mudar-me para Estocolmo. Gostava de experimentar a vida numa cidade maior, mas não quero sair da Suécia. Vim da Tailândia para aqui quando tinha sete anos e sinto-me em casa na Suécia porque é uma sociedade que tem abertura de espírito. 

     

    Tens uma ideia concreta de algo que te faria sentir mais incluída na sociedade?  

    Sim, tanto nos locais de trabalho como na sociedade em geral, acredito que precisamos de casas de banho e vestiários que sejam neutros em género. Não me sinto confortável no vestiário dos homens, mas, às vezes, quando escolho o das mulheres para mudar de roupa, fazem-me muitas perguntas, como: "Porque é que estás aqui?". Fico muito nervosa e não me sinto bem com isso. Mas neste momento, não há nenhum lugar para onde possa ir.

     

    Ainda estás na escola. Sentes-te incluída na escola?  

    Sim, frequento uma escola em Lund que toma uma posição ativa em relação à comunidade LGBT+. Nunca ninguém me perguntaria se sou homem ou mulher, porque há muitas pessoas diferentes nessa escola. Sinto-me muito bem quando estou lá. Sinto que estou no sítio certo. Sinto-me em casa.       

Video:
Eu e outras pessoas queer jovens não temos uma capa mágica que nos protege de tudo. Por isso, quando não somos incluídos, a nossa autoestima sofre. A nossa autoimagem sofre. Magoamo-nos.

Yaël

  • Como te identificas?  

    Sou uma pessoa trans não binária. Normalmente, quando as pessoas ouvem a palavra "trans", pensam em pessoas trans binárias e é por isso que coloco a palavra não binária à frente. Sou uma pessoa poliamorosa, o que significa que não pratico a monogamia.  

     

    Podes explicar um pouco mais?

    Ser praticante do poliamor tem significados diferentes para pessoas diferentes. Para mim, significa que não tenho relações exclusivas e que pratico a não hierarquia, o que quer dizer que as minhas relações românticas e não românticas profundas têm a mesma importância na minha vida.   

     

    Podes dar um exemplo?

    Claro. Por exemplo, é normal tirar um dia do trabalho para cuidar de um familiar ou do teu companheiro ou companheira se estiver doente. Mas se a pessoa que estiver doente for a tua melhor amiga e disseres: "Peço desculpa, mas não posso ir para o trabalho hoje. Tenho de trabalhar a partir de casa porque a minha melhor amiga está doente". Já recebi respostas como: "Porquê? Quem és tu? És a mãe dela?" Não, não sou. Mas essa pessoa é a minha melhor amiga. Adoro-a. Vou cuidar dela.  

     

    O que significa inclusão para ti?  

    Para mim, a inclusão tem que ver com a forma como nos posicionamos numa comunidade e como estendemos os privilégios às outras pessoas. O privilégio é importante. Penso que hoje em dia as pessoas podem sentir-se atacadas pela palavra e sentir que o termo é usado para as envergonhar. Um privilégio é uma ferramenta e se formos recetivos o suficiente para compreender que existe sempre um ponto de vista para além do nosso que tem igual mérito e valor, então podemos usar os diferentes privilégios que temos para incluir e apoiar as pessoas à nossa volta.   

     

    Onde e quando é que te sentes em casa?  

    É uma excelente pergunta porque acho que a inclusão também tem este lado emocional. De nos sentirmos vistos e compreendidos. Sou muitas coisas. Sou quem me identifico ser. Mas também sou uma pessoa judaica, sou imigrante e sou a primeira pessoa da minha família que tem formação superior. Sinto inclusão quando as outras pessoas não me julgam apenas pela minha aparência, mas preocupam-se em ouvir, fazer perguntas e ter uma conversa.   

     

    Existem lugares físicos onde te sentes em casa?  

    Sim, Malmö, na Suécia, onde vivo, é uma cidade incrível com vários lugares onde sinto inclusão, lugares que me transmitem uma sensação de calma. Há uma livraria e palco da cultura queer, chamada Page 28, onde faço voluntariado, mas também há o WHOSE Museum, o café Jesusbaren, um ginásio de escalada e o parque de patinagem. 

      

    O lugar onde vives também é um lugar onde te sentes em casa?  

    Não é um dado adquirido, muitas pessoas não têm um, mas tenha a sorte de partilhar uma casa com alguns dos meus melhores amigos. Todos temos estas grandes questões com que temos de lidar fora de casa, mas quando chegamos a casa, podemos ser apenas pessoas rabugentas e cansadas no sofá. Damos um grande abraço uns aos outros se for o que precisamos. Fazemos o jantar uns para os outros ou apenas comemos batatas fritas e jogamos muitos jogos de tabuleiro.   

     

    Na tua vida pessoal, em que situações sentiste que não pertencias ou que tinhas de esconder partes de quem és?

    Cresci numa comunidade judaica conservadora, o que significa que a minha família é muito religiosa e alinhada culturalmente. Foi-me atribuído o género feminino à nascença, por isso, quando comecei a fazer coisas que não eram de rapariga, surgiram muitas perguntas.   

     

    Eram mais do que apenas perguntas sobre seres diferente?  

    Sim, quando cresci um pouco mais e comecei a explorar a forma como me expressava e me apresentava em público, houve muita vergonha em relação a isso. Muitas expetativas sobre como me devia comportar e as pessoas com quem era suposto conviver. Agora tenho 25 anos, mas só aos 21 é que conheci uma comunidade queer e tive este despertar. "Ah, é assim que uma pessoa se sente sendo ela própria?" E mesmo que não me compreendessem, em vez de me julgarem, faziam-me perguntas amigáveis. "O que significa, conta-me mais."  

     

    Como é que a tua família reagiu quando tiveste consciência de quem és?  

    A minha família demorou os últimos três anos a compreender. A compreender como quero que me tratem e como quero que me vejam e falem comigo. Mas também tenho de me lembrar de que até eu demorei 25 anos a compreender. Todas estas coisas que tenho para me informar da minha própria identidade, a minha família não tem. Mas estão dispostos a ouvir e a tentar. E estão a fazer este esforço com muito amor. A aprendizagem faz parte do crescimento e o crescimento vai ser sempre necessário.  

     

    O que gostarias de perguntar às pessoas à tua volta que não fazem parte da juventude LGBT+? 

    A primeira coisa seria pedir para que, às vezes, tentassem conversar apenas com pessoas diferentes delas. Talvez participando em algum tipo de trabalho comunitário? Temos de quebrar os nossos silos sociais e acredito mesmo que é muito importante retribuir às comunidades com as quais nos preocupamos. Além disso, se dedicassem algum tempo a informar-se sobre como vivem as pessoas que não partilham os mesmos privilégios, estaríamos no bom caminho.  

     

    Então, as ações mais pequenas são importantes?

    Sim, acredito que as pequenas coisas podem criar grandes mudanças. As pessoas podem perguntar-me porque não uso uma determinada palavra, porque é que acredito que precisamos de casas de banho não apenas para homens e mulheres, porque é que se fala tanto sobre pessoas não binárias. No entanto, se estiverem recetivas a ouvir e a tentar compreender por que razão é importante para mim, é um pequeno gesto que, possivelmente, pode ter grandes implicações.   

     

    Que tipo de experiências tens dos teus locais de trabalho anteriores?  

    Trabalho numa área técnica e, geralmente, era a única pessoa queer numa sala cheia de homens. Muitas vezes, não era uma situação confortável. Sinto-me muito confortável na minha pele. Sou uma pessoa muito segura de mim, mas não sei ao certo qual é a perceção que as outras pessoas têm de mim e como me tratam com base nessa perceção.   

     

    Mas deixaste esse emprego, não foi?  

    Sim, estou a crescer e a aprender ao longo do caminho. Tenho 25 anos agora e acho que a mensagem que quero transmitir é: rodeia-te de pessoas que acreditam em ti. Encontra a tua comunidade. És o melhor presente que podes dar a ti próprio.  

     

    Podes desenvolver essa ideia?   

    Hoje de manhã tive uma entrevista de emprego. Há meio anos atrás, não teria a confiança de me candidatar a este emprego porque estava a permitir que as perceções das outras pessoas me limitassem. Não sou imune ao que as pessoas pensam de mim. Eu e outras pessoas queer jovens não temos uma capa mágica que nos protege de tudo. Por isso, quando não somos incluídos, a nossa autoestima sofre. A nossa autoimagem sofre. Magoamo-nos.   

     

    O que foi importante para ti quando te candidataste a este novo emprego?  

    O facto de ser uma empresa que tem bons valores e uma postura progressista. Apercebi-me de que não posso esconder quem sou. Se sentir que não me podem incluir como pessoa, não quero trabalhar nesse sítio. Por isso, se a empresa não me conseguir ver e respeitar por quem sou, porque dedicaria toda a minha energia a trabalhar nessa empresa? No entanto, também tenho consciência de que muitas pessoas não têm a possibilidade de escolher onde e com quem trabalham.  

     

    O que gostarias de dizer a uma empresa grande como a IKEA sobre a inclusão?  

    Quando era criança, as comunidades queer não tinham muita visibilidade. Agora, percebo que existe mais visibilidade, mas não muita representação interna (ou seja, nos processos de contratação, diversidade de equipas, formação académica, etc.) para criar uma mudança sistémica e duradoura para as comunidades marginalizadas. O "pink-washing" ou "rainbow-washing" acontece muito. Isto é importante. 

     

    Podes falar-nos um pouco mais sobre isso?  

    Penso que é importante que a visibilidade reflita a representação. Mencionamos isso aqui porque, muitas vezes, a visibilidade é apenas uma fachada da diversidade. A visibilidade é o logótipo da empresa com um arco-íris de orgulho e a representação é a diversidade de pessoas que trabalham na empresa todo o ano e as políticas que as apoiam e refletem.  

     

    Tens uma ideia concreta de como as grandes empresas podem melhorar a inclusão?  

    Nunca existirá verdadeira inclusão se não existir uma diversidade real de pessoas. Ouvi falar de uma prática de recrutamento onde não existe simplesmente um sistema de pontos para a qualidade dos candidatos, mas para a diversidade deles. Se as empresas levam a sério a diversidade, e devem levar porque é essencial para a inovação, então têm de tomar em consideração a forma como criam equipas mais heterogéneas. Muitas vezes, não vemos nem sabemos o que nos falta. Por isso, contratar um especialista externo pode ajudar-nos a encobrir essas inconsistências.  Ótimo, fica registado.

     

    Mais alguma coisa sobre este tema?  

    Sim, é importante lembrar de que não vai ser fácil e que as pessoas que estão a encabeçar a mudança vão precisar de apoio. Isto porque é difícil ser a única pessoa num espaço e não sentir que as pessoas a compreendem. Essas pessoas saberão melhor de que tipo de apoio necessitam.  

     

    Uma última pergunta. O que aprendeste recentemente?

    Que é muito importante gostarmos de nós e encontrar pessoas que nos amam e apoiam. Vamos viver connosco o resto das nossas vidas. Cabe-nos a nós explorar a aparência que escolhemos ter, como escolhemos expressar-nos e quem escolhemos amar. Foi difícil para mim distanciar-me das normas sociais, mas agora tanto uso vestidos justos como fatos, e rapo o cabelo porque é muito prático no verão e gosto do aspeto. Aprendi a transformar-me na pessoa que quero ser e essa sensação de liberdade é maravilhosa. 

Somos aliados da comunidade LGBT+

O nosso objetivo é criar um ambiente de trabalho totalmente inclusivo e proporcionar igualdade de oportunidades, independentemente da orientação sexual ou identidade de género. Para o garantir, concentramos os nossos esforços nas ações mais importantes. Unimo-nos à Stonewall e à Workplace Pride, duas organizações empenhadas numa maior aceitação de pessoas de todas as orientações sexuais e identidades de género (LGBT+).

Também cocriámos e apoiámos o Código de Conduta das Nações Unidas (“UN Standards of Conduct”) no combate à discriminação em relação às pessoas LGBT+ no local de trabalho e na comunidade. 

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